sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Eu sempre gostei do pôr do sol primaveril.

Talvez porque a fragrância das flores pareçam grudar em meus pulmões e trazer-me um certo ar tranquilo, e tranquilidade seja tudo o que minha cabeça atordoada mais cobiça. Talvez porque quando as flores desabrocham e seus botões se transformam, eu sinta em mim uma mudança sutil, mas não pouco importante. Talvez porque eu ainda guarde a lembrança de você chegando de mansinho, tão tênue, tão ligeiro, pousando um buquê de lírios sobre meu protótipo de mesinha de cabeceira e roçando seus dedos nas minhas têmporas com um carinho inumano, quase infantil. Talvez porque a coroa de princesa que eu sempre quis usar na cabeça se assemelhe - delgadamente, é claro - à corola das flores que na primavera se tornam rainhas. Talvez porque eu tenha vivido uma história bonita de se ler (quem sabe num passado esquecido pela força do tempo ou deixado para trás para ser esquecido propositalmente) e nela eu tenha ganhado uma rosa branca, conservado-a com todo amor e carinho numa bisnaga descendente do tempo da vovó e assistido, cabisbaixa, ao seu desfalecimento natural. Talvez porque o amarelo das margaridas combine com o sol, ao mesmo tempo que as rosas bege fazem um contraste singular, cheio de si. Talvez porque eu veja nas flores uma beleza natural, essencial, às vezes imperfeita, e admire cada uma das pétalas; as tortas, as derrubadas pelo vento, as arrancadas pelas meninas com coração partido e as deixadas como prêmio de um bem-me-quer inocente. Talvez porque eu seja feita de metonímias e falar de flores supra um vazio pesado quase depressivo que carrego sobre as costas. Talvez poque o sol pareça mais ameno e deleitoso nessa estação, e seus raios luminosos sejam, compreensivelmente, mais gostosos de se embolsar - não que à alguém pertença o direito de guardá-los só para si. Talvez porque eu e as flores tenhamos muitas coisas em comum; não usamos maquiagem, gostamos quando o vento balançam nossos cabelos (ou pétalas, ou pecíolos, depende), somos anti-charlatões e temos uma beleza interior que só poeta dedicado consegue auferir, e saber que não sou a única espécime diferente no mundo traz-me certo conforto, até mesmo um vigor genuíno. Talvez porque a solidão dilacerante tenha-me feito agarrar qualquer vestígio de compaixão, beleza, cumplicidade, e nas flores que nascem e morrem com a primavera eu veja isso. Talvez porque o pôr do sol signifique que todas as coisas, por mais esplêndidas e nobres que sejam, se esvaem e cedem seu lugar de rei para a quem o direito trajar. Talvez porque haja em mim, escondido em algum beco sem saída, o desejo de ser admirada, pintada, filosofada, transformada em obra de arte da mesma forma que faço com as tão queridas flores. Talvez porque, assim como elas, eu almeje alcançar o ápice das árvores e depois cair por terra, orgulhosa que só, satisfeita e pronta para transformar-me em uma simplória marca na terra…
Ainda não cedi ao talvez, tampouco vejo sinal de certeza. Mas uma coisa afirmo: eu sempre gostei e continuo gostando do pôr do sol primaveril

Nenhum comentário:

Postar um comentário